segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Ler e blogar

Quando me propus escrever qualquer coisa à medida que ia lendo livros tencionava ir registando uma listagem mais ou menos rigorosa do que ia lendo.
Estou a chegar à conclusão de que isso não é fácil.
Já estou com 2 ou 3 livros de “atraso” no blog e acho que essa tendência se vai acentuar.
Primeiro, porque às vezes um livro até pode ser interessante mas não suscitar reflexões dignas de serem escritas.
Segundo, porque mesmo quando se quer escrever qualquer coisa e se têm algumas ideias, frequentemente falta tempo – quando finalmente há tempo, já disponibilidade não é grande até porque já se está a meio de outro livro.
Finalmente porque há livros tão maus que não justificam sequer um registo.
Para não falar daqueles livros que são tão esquisitos, tão esquisitos, que a gente nem sabe o que deve pensar.
Moral da história: continuo um devorador de livros mas sou um crítico/blogger algo frustrado.
Paciência.
Há dramas piores. :):):)

Aborto - Sim ou Não

Você seria capaz de votar "Sim" depois de ver esta imagem do feto, não às 10 semanas, mas aos 18 anos?
Só um tarado pode responder que sim.
Mas o "Não" aqui também pode ter interpretações maliciosas.
Por estas e por outras é que eu me abstenho...

domingo, 21 de janeiro de 2007

Proud Mary

Aqui vai uma para animar as hostes:

Proud Mary

dos velhos
Creedence Clearwater Revival

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Mais vale sozinho...


Quando começo a ver quem é quem na questão do aborto e verifico que o pessoal do governo faz campanha pelo Sim sinto-me reconfortado.
É que eu, pela minha formação e história seria normalmente um partidário do Sim.
Em boa hora resolvi abster-me.
Mais vale sozinho que mal acomparado, como diz um castiço que eu conheço.

Sorte marreca


Há pouco reparei que nos links do Cleopatramoon a minha amiga Cléo me colocou mesmo ao lado da "Câmara Corporativa".
Sorte marreca !
Calhou-me o lugar mesmo ao lado do lixo...

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Arturo Toscanini

Texto sobre Toscanini muito interessante, de Bernardo Mariano, saído hoje no Diário de Notícias:

O maestro que levou o seu século à frente da batuta
Bernardo Mariano

Ele personificou durante décadas, aos olhos do grande público, a profissão de maestro. Foi um dos músicos mais influentes do seu tempo e alguém que marcou um antes e um depois na história da tradição interpretativa. Teve uma exposição mediática até então sem precedentes (foi uma figura de culto, tendo chegado duas vezes à capa da Time) e uma vida pública na qual se reflectiram as convulsões da sua época. Ele era Arturo Toscanini e morreu faz hoje 50 anos, em Nova Iorque.

Para a história ficou, por um lado, um enorme manancial de gravações (a grande maioria reeditada na década de 90 pela RCA, mas também há registos na Naxos e na Testament, por exemplo) e uma vida longa de quase 90 anos, cujas faces pública e privada já deram origem a um sem número de livros e artigos.

Toscanini era um génio, sem dúvida. Um homem que nasceu para ler partituras e dirigir orquestras. A sua carreira gerou imensas histórias/estórias, versando quer as suas capacidades intelectuais-musicais, quer a sua forma de trabalho. Isto para lá das tiradas que ficaram famosas (ver abaixo).

Uma das coisas que contribuiu para a sua aura era o facto de quase sempre dirigir de cor, isto é, sem partitura aberta à frente. Toscanini tinha uma memória musical absolutamente prodigiosa: basta dizer que, quando em 1886, o jovem violoncelista (tinha 19 anos) de uma orquestra italiana em digressão pela América do Sul salta inesperadamente para o estrado da direcção para dirigir a Aïda, de Verdi, o faz de cor!

Uma capacidade formidável que só deu de si em Abril de 1954 (contava ele já 87 anos!): durante um concerto no Carnegie Hall, à frente da Sinfónica da NBC (orquestra especialmente criada para ele em 1937, com a qual chegou a milhões de americanos, primeiro via rádio, depois via televisão), Toscanini "perdeu-se". Não mais dirigiu em público.

Personalidade intratável

Os seus detractores gostam de enfatizar o temperamento colérico, os acessos de fúria, o carácter inflexível, o perfeccionismo fanático, a megalomania com que se via na sua actividade, a insatisfação doentia face ao que alcançava. Numa palavra, chamam-no de ditador. E tirano.

Seria tudo isso, sim. Mas era um artista com um magnetismo e um carisma incomparáveis, através dos quais conseguia instilar nas orquestras que dirigia uma intensidade e comunhão de propósito raras em qualquer campo de actividade.

Reclamando-se qual médium das intenções originais dos compositores que interpretava, pedia "apenas" que os seus músicos as cumprissem. Essa objectividade, opondo-se à tradição romântica da interpretação subjectiva, marcaria o século XX.

Também marcantes foram as posições que assumiu perante o fascismo italiano e, mais tarde, o nazismo. Apesar de primeiramente apoiante de Mussolini, Toscanini cedo se desiludiu e abandonaria a Itália em 1929, ali regressando só em 1946, para a reinauguração do Scala. Face ao nazismo, não transigiu: nunca mais foi à Alemanha a partir de 1933 nem à Áustria a partir de 1938.

Devemos-lhe as estreias de I Pagliacci (Leoncavallo), La Bohème, La fanciulla del West e Turandot (Puccini) e do Adagio para cordas, de Barber. Dirigiu com igual à vontade ópera (desde Gluck às que estreou) e repertório sinfónico (de Mozart até Richard Strauss e Debussy). A sua "trindade" adorada foi sempre a de Beethoven, Wagner e Verdi.

Para além do nível artístico inaudito a que elevou o espectáculo operático na Itália, impôs ainda as luzes apagadas durante a récita, proibiu entradas atrasadas, obrigou as senhoras a tirar o chapéu e proibiu ballets após as récitas. E até encores de árias isoladas - em 1903, deixou um Baile de Máscaras a meio, no Scala, quando o contrariaram...


Qualidade de vida

Ora vejam os preparos em que apanhei o meu gatinho há uns dias, partilhando o usufruto da minha cama.
O patifinho tem uma "lata" de leão, embora seja gato: quando não se pranta directamente em cima do meu lombo, em atitude inequivocamente proprietária, chega-me a ocupar a cama, obrigando-me a mil cuidados para o enxotar sem o ofender (é outra sua faceta - ofende-se facilmente e "castiga-me" desaparecendo durante umas horas, dependendo da gravidade da "ofensa").

domingo, 14 de janeiro de 2007

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Bernat, Arnau e Jonet

Estou a ler um livro que me fez deitar uma lágrima de emoção.
Falarei em geral sobre ele depois de ter acabado de o ler.
Para já, li uma parte que me deixou comovido:
Estamos em Barcelona, Idade Média, nela vive Bernat, um camponês inteligente que se emancipou e foi viver para a cidade, e o seu filho Arnau, de 8 anos.
Arnau brinca em Barcelona e faz um amiguinho, Jonet, um puto com menos 2 anos que ele.
O pequeno Jonet é filho de uma mulher adúltera, o seu pai biológico foi assassinado e o marido de sua mãe recusa-se a reconhecê-lo como filho.
Depois de algumas peripécias, Jonet, que inveja Arnau por ter um pai, chega à presença do pai do amigo, no meio de uma multidão; alguém diz que ele e Arnau são ambos filhos de Bernat e o puto olha, suplicante, para Bernat, com medo de ser rejeitado.
Bernat, um homem bom, olha-o nos olhos e pergunta-lhe: “queres ser meu filho ?"
E o miúdo, sem palavras, agarra-se à perna de Bernat e fica ali agarradinho sem dizer palavra, colando-se àquela perna com a força e o amor com que agarrava o mundo todo.
Nesse dia Bernat compreendeu e aceitou que tinha dois filhos. 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Nem loiras nem morenas...



Esta saiu no Publicozinho:
Nem louras nem morenas, os homens preferem é mulheres de cintura fina
Documentos seculares escritos por ingleses chineses e indianos relegam peitos, nádegas e coxas para segundo plano
Nem louras nem morenas. O que os homens preferem mesmo é uma cintura fina, delgadinha. Essa é a conclusão de um estudo de uma revista inglesa que, para o efeito, consultou excertos de diversas publicações e de diferentes épocas e continentes.
Esta é a vingança das maigres e sobretudo das fausse-maigres.

Aux armes, citoyennes, estes gajos estão-se a meter convosco !

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

Um monumento ao pónhónhó

Um grupo de pónhónhós portugueses chegou ao Japão e deliberou constituir uma grande empresa.
O resultado está à vista na imagem.
Os pónhónhós portugueses são tão merdosos como os pónhónhós de qualquer parte do mundo; também somos "gente", caramba !

sábado, 6 de janeiro de 2007

Catarina de Médicis - Leonie Frieda

Bom, havia de chegar a altura de o tema central deste blog (a paixão da leitura) vir ao de cima.
Acabo de ler um livro que me impressionou.
Quero deixar-vos aqui algumas impressões “na perspectiva do utilizador”, para usar o calão informático, querendo com isso significar que não tenho nenhuns dotes especiais de literato, sou pois um simples leitor.
O livro é o “Catarina de Médicis”, de Leonie Frieda.
A autora fez uma investigação histórica cuidada, seriíssima e exaustiva, o que ressalta com exuberância da forma como documenta a obra com notas bibliográficas e históricas.
Catarina era a filha de uma família de comerciantes muito ricos de Florença; ficou órfã quando ainda era bebé e foi educada por familiares, tendo estado em conventos até à sua saída de Itália.
Estamos no séc. 16 europeu, em pleno Renascimento, que marcou indelevelmente o carácter da jovem florentina futura rainha de França.
Catarina é sobrinha de um Papa, Clemente VII, e tem acesso às mais altas instâncias da sua época – conhece mesmo Miguel Ângelo, que é um dos protegidos da corte florentina.
Nesse tempo, como até ao sec. 19, a Itália não estava unificada e era uma manta de retalhos de cidades poderosas, mas divididas, de ducados e principados cujos dirigentes procuram poder nas alianças que fazem, sobretudo com os reis de França, Espanha e Alemanha.
O casamento de Catarina com Henrique de Orleans é assente em virtude de um desses tratados.
O pai de Henrique, Francisco de França, é contemporâneo de Carlos V, de Espanha e de Henrique VIII de Inglaterra, pai de Isabel I, a devassa e futura rainha de Inglaterra.
Catarina casa com Henrique e aprende na prática o “ofício” de rainha; doze anos depois Henrique morre em virtude de um acidente estúpido (apanhou com uma lança que lhe trespassou o olho e parte do cérebro no decurso de um jogo de cavalaria) e Catarina vê-se rainha-viúva de França, com 5 filhos pequenos e um ambiente social perigosíssimo em que avultam os conflitos religiosos entre católicos e protestantes, que darão origem a nada menos que doze guerras até ao fim do século, tornando-se regente.
Acompanha o reinado de seus filhos, mantendo uma posição cimeira na corte e tornando-se a mulher mais poderosa do seu tempo (Isabel de Inglaterra seria a segunda mulher mais poderosa).
Catarina joga com todos os seus trunfos, divide, une, conflitua, faz as pazes, promove e despromove os poderosos de França.
Durante muitos anos prossegue uma política de não-agressão e apaziguamento com os protestantes franceses, calvinistas, provocando neles o falso sentimento de que são protegidos da rainha e causando a cólera de Filipe II de Espanha, seu genro, e do Papado, que via as suas complacências para com os protestantes como uma autêntica traição à sua herança católica apostólica romana.
Até que um dia...
Tinha que ser, a Lei de Murphy já existia nessa época, mas não estava ainda formulada.
Tudo correu mal na altura mais crítica e com os protagonistas mais inconvenientes.
Catarina tinha tentado, sem sucesso, casar a sua filha Margot com D. Sebastião de Portugal (Margot era na época considerada uma beldade); as negociações com os portugueses falharam e Catarina decide casar Margot com Henrique de Navarra, nobre francófono que havia abraçado a fé protestante.
O casamento decorre em Paris, em grandes festividades, em Agosto de 1572.
Inúmeros populares protestantes deslocam-se a Paris para ver o seu líder casar com a princesa católica de França, em ambiente de boa vizinhança.
Num dos últimos dias de Agosto, o rei Carlos e sua mãe Catarina mandam assassinar Gaspar de Coligny, Marechal de França, protestante, e um dos homens mais poderosos de França, por lhes ter chegado aos ouvidos que este pretendia dar um golpe de estado.
Foi o rastilho.
A populaça parisiense, enraivecida com os protestantes, aproveita o momento para começar a ajustar as suas próprias contas particulares com os protestantes que estavam em peso na cidade; só em Paris são mortos entre 2.000 a 3.000 pessoas; o violento conflito religioso alastra a toda a França, provocando entre 20.000 a 30.000 mortos – homens, mulheres, crianças, vai tudo a eito.
Essa tragédia ficou conhecida historicamente pela Matança de S. Bartolomeu e tornar-se-á a sombra negra da memória de Catarina.
O livro descreve com minúcia a política europeia de então, em que Catarina tem uma palavra decisiva quase até à sua morte.
Maquiavel é seu contemporâneo – dizem alguns, sem confirmação histórica cabal, que Catarina bebeu alguns ensinamentos na maquiavélica personagem florentina.
Talvez, mas a prova não está feita.
Para quem gosta de romance histórico, como eu, este livro é um regalo.
Sugiro vivamente a sua leitura a quem tenha interesse nestas matérias.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Pequena viagem revivalista – Jefferson Airplane



Há 40 anos um grupo em que avultava uma mulher de truz, Grace Slick, arrasou a cena pop.
Eram os Jefferson Airplane, que lançaram grandes canções, como Somebody to Love, White Rabbit e It’s No Secret.
Clique nos links e veja/oiça esta super-banda.
(Sorry, não consegui descobrir uma versão razoável do Volunteers – se quiser ver uma versão menos boa, clique no link – lembre-se, para compreender o tom, que há 40 anos os Estados Unidos estavam envolvidos na guerra do Vietname contando com uma forte oposição da juventude e não só).

quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

Contos Estelares - odisseia completa

Contos Estelares - apanhado geral

O sol foi ficando lentamente para trás.

O seu enorme disco foi diminuindo e ao fim de um mês de viagem, da nave “Platão”já só se via o disco solar através de instrumentos de alta precisão.
Foi então que o efeito Erkhart foi utilizado na propulsão – e a nave passou a viajar a uma velocidade 10 vezes maior que a velocidade da luz.
O mundo apagou-se, para trás da nave ficou um oceano negro.
Para frente... o desconhecido.
Na nave viajavam 900 mulheres e 100 homens, uma proporção considerada razoável, atendendo a que os homens podiam rapidamente fabricar muitos filhos e as mulheres demoram nove meses a fazê-lo.
Na sua nave gémea, “Aristóteles”, havia uma proporção de homens e mulheres semelhante (uma vez que a mulher é o ser mais avançado da Criação, achou-se que seria bom acentuar essa desproporção com os homens).
A Platão e a Aristóteles partiram da Terra quase ao mesmo tempo, apontando genericamente a Alfa do Centauro, mas fazendo caminhos diferentes – enquanto a Platão ia equipada com um motor Erkhart, a Aristóteles contava apenas com motores tradicionais, capazes apenas de a fazer avançar à velocidade da luz.
(...)

João olhou consternado para o monitor do computador.
Ficou uns minutos silencioso, até que se decidiu e chamou Marta: a cinco anos-luz verificava-se uma depressão no espaço muito mais pequena que um planeta mas com forte radiação – só podia ser uma nave espacial equipada com propulsão nuclear.
A nave enviava uma mensagem constante em linguagem binária, já quase esquecida pelos astronautas.
“São 12 números, todos zeros e uns” disse Marta com o seu ar autoritário.
Marta estava habituada à superioridade natural das mulheres e nunca disfarçava esse complexo de superioridade; ainda por cima achava alguma graça a João (já lhe tinha pregado uma ou duas partidas) e tinha tendência para o pôr no seu lugar, só para mostrar quem é que mandava.
“Já apanhei o código” exclamou João C – L – E – O – P – A – T - R – A.
“Coleópteros são antigos insectos que havia na velha Terra” disse Marta.
“Nada disso” – ouviu-se pela primeira vez em muitos anos a palavra da Profª Augusta Nina, há muito retirada nos seus aposentos, que se dedicava a uma arte antiga e pouco conhecida, a poesia.
“Cleópatra é o nome de uma rainha do antigo Egipto, adorada pelos homens e venerada pelos crocodilos”, explicou a professora – “além disso...”
“M – O – O – N”, completou João, “a nave está a enviar um sinal que significa CLEOPATRAMOON”.
Augusta semicerrou os olhos e disse, sonhadora “em tempos, há muitos anos, tive na Terra uma amiga que tinha por hábito usar esse nome numa publicação cibernética – coitada, já deve estar completamente torrada há dezenas de anos, desde que o sol se tornou numa supernova e implodiu, arrastando todo o sistema atrás dele”.
“Por acaso até estás enganada, Nina” disse uma voz feminina surpreendentemente juvenil, saída do computador.
Toda a tripulação deu um salto, incluindo a Augusta professora.
“Não se assustem” continuou a voz “desculpem, mas não foi difícil captar a frequência do vosso computador e comunicar de viva voz convosco – eu sou uma sobrevivente, tal como vós”.
(continua)
Cleo ?” – perguntou incrédula Augusta Nina.
“Herself, in person”, respondeu o computador, e continuou “deram-me esta nave para experimentar e a meio da experiência reparei que o sol se estava a desintegrar, então rumei a Alfa do Centauro, porque felizmente tinha os depósitos cheios; tenho urânio para dar e vender, comprei-o aos fellahs à revelia dos Américas, e foi um ver-se-te-avias – andei no espaço 3 meses até que vos vi”.
“3 meses ?!”, exclamou João, “mas nós estamos no espaço há 20 anos”.
“Vê-se logo que és homem, ó fedelho”, respondeu o computador, “nunca ouviste falar da compressão do espaço/tempo por acção da aceleração gravitacional ?”
“Afinal, quem é você e quem é que lhe deu confiança para falar assim, mesmo aos inferiores”, indagou Marta, furiosa e belicosa.
“Olha, filha, eu, rufias como tu, meti muitas no xelindró na velha Terra, quando por lá andávamos, mas deixa estar que aqui no espaço não tenho tempo para me ocupar de ti”.
“Mas que raio de merda vem a ser isto, caray ?” perguntou uma voz também vinda do computador, uma voz masculina com sotaque português nortenho.
“Não se cansem a tentar descobrir quem eu sou – também sou um sobrevivente – Funes, El Memorioso, para vossa sorte e azar meu !”
(continua)
“Olá Funes”, exclamou Cleópatra, “modesto como sempre”.
“Olá Colega” disse Augusta, sempre cool.
Ruído de fundo.
Mais ruído de fundo.
Ainda mais ruído de fundo.
Após 10 minutos de ruído ouviu-se claramente o código de identificação de uma nave Erkhart, produzindo um ruído cada vez mais escandaloso em que se podia reconhecer o “Made in Japan”, dos Deep Purple.
Smoke, on the water, smoke on the water, how did you lose your virginity, Marylou, when will you lose your stupidity, Marylou…”
“Porra, temos mais um conviva”, exclamou Funes “quem és tu, ó meu ?”
“UUUppss, já não estou sozinho – e quem pergunta o meu nome ó meu ?” ressoou o computador.
“Sou Funes, El Memorioso, nomeado pelo Matriarcado Terrestre da Sempiterna Superioridade Feminina para fazer a história destes viajantes espaciais – e agora, poderás responder à minha pergunta ? Quem és tu ?”.
“Sou o 100anos – chiça que em Terra escolhi o pseudónimo de 100 anos de solidão e já gramei com cinquenta aninhos a ouvir sozinho as músicas da minha criação – é bom vê-lo/ouvi-lo, caro Funes, é excelente ver que temos a Augusta Nina e a Cleópatra entre nós, está recomeçada a sociedade humana, mais coisa menos coisa”.
“Merda, que já perdi quinhentos paus”, ouviu-se no computador a voz de Cleópatra.
Augusta Nina exclamou “és tu, Cem ?, que engraçado, nós todos juntos numa esfera de cinquenta anos-luz, estamos mais próximos do que se estivéssemos a tomar uma bica do bar das letras”.
“Olhe lá, ó Dona Cleópatra, você está a exagerar”, disse 100anos, “os seus trejeitos autoritários aqui no deep space não valem uma petição inicial mal enjorcada, percebeu, sua ditadorazeca-de-trazer-por-casa ?”
Ouviu-se um ruído estrilhado, seguido de silêncio; passado um pouco ouviu-se a voz de Cleópatra “desculpem, mas sem querer atirei o microfone contra o computador de bordo e precisei de fazer o reset, mas já está tudo bem – olhe, ó senhor Cem, eu nunca lhe dei confiança para me falar dessa forma deselegante e desabrida, fique sabendo que já lhe apanhei o sinal astronómico e não me ensaio nada para lhe pregar com uma ameixa de 20 megatoneladas, percebeu, seu atrevido ?
(continua)


Contos Estelares - II

“Olhe, Cleópatra, vamos fazer um pacto: você não me faz ameaças infantis e eu não me rio de si, OK ? Então pensava que eu vinha para o espaço exterior sem ter um escudo anti-projécteis capaz de travar qualquer ataque ?”.
Fez-se finalmente silêncio.
João, Marta, Augusta, Cleópatra, Funes e Cem mantiveram o silêncio durante tanto tempo que ele começou a ficar pesado. Todos eles pensavam na vida e na forma de sobreviverem. Por sugestão de Marta, puseram todos os computadores de bordo de todas as naves em comunicação, de forma a alargar a base de conhecimento de todos.
De súbito, os computadores começaram a emitir um sinal de alerta – não era um alerta de perigo imediato, era apenas um alerta de avaria no porão da nave de 100anos.
“Cem, consegue ir ver o que se passa, enquanto nós esperamos ?” indagou Funes.
“Vou tentar”. 100anos saiu da cabine de comando e começou a descer a longa escadaria sem gravidade que levava ao porão; aí chegado, verificou que uma figura estava sentada numa banheira criogénica, coisa muito estranha, pois a banheira criogénica destinava-se a deixar em hibernação qualquer ser vivo que lá se colocasse até ser despertada lentamente através de um processo de aquecimento artificial muitíssimo sofisticado.
O que teria corrido mal ? A figura sentada viu 100anos e exclamou “já não era sem tempo, Cem, por este andar deixavas-me congelada até ao dia do juízo final” – Neves de Ontem, em todo o seu esplendor de jovem salerosa, sorria.
“Ó Neves, que grande susto ! Mas então como estás acordada ?”.
“Deves ter sido tu a accionar o processo”.
“Não fui”.
Xiiiii – desculpem, meus amigos, mas o meu computador já fez merda”, disse Funes, “já compreendi – foi o meu computador, que está programado para a des-criogenização automática, que quando entrou em contacto com o computador do Cem enviou o sinal automaticamente e accionou o despertar da Nieves – olá Nieves, Bela Adormecida, voltaste à vida !”.
“Olá Prof. Funes, buenos ojos o vejam – ó Cem, ajuda-me aqui a sair deste sarcófago gelado, senão nunca mais me despacho”.
100anos lá foi ajudar – assim que carregou no botão da normalização criogénica cessou o aviso de alerta que estava a enervar toda a gente.
“Bom”, disse 100anos, “acho que devo uma explicação a todos: quando saí da Terra trouxe comigo algumas pessoas amigas clandestinamente; uma delas foi a Nieves; disfarcei-a de “Vitória de Samotrácia”, meti-a num molde de mulher sem braços (claro !) e quando a Polícia Inter-Estelar me inspeccionou o porão, disse que era uma estatueta de adorno; os tipos deixaram passar, a ela e aos outros que – estranhamente – continuam criogenizados”.
“Não é nada de espantar”, disse Funes, “claro que já anulei a ordem automática do meu computador, a partir de agora não vai des-criogenizar ninguém”.
No problem, Funes, eu de qualquer maneira ia mesmo despertar a Nieves a curto prazo, pois estou a precisar de ajuda na manipulação dos comandos desta nave”.
(continua)

Contos Estelares - III

Os heróis espaciais continuaram a dialogar durante longo tempo.
Cleópatra aceitou deixar de enviar remoques a 100anos.
Marta resignou-se a que alguma das outras mulheres enviasse volta e meia um sarcasmo a João: afinal de contas, como Marta sabia muito bem, João pertencia ao sexo inferior, ainda mais inferior que Funes ou 100anos, pois não comandava uma nave e era um subalterno naquela em que estava.
Aliás, todas as mulheres encaravam Funes e 100anos como uma espécie de “quase-pares”, pois eram comandantes de naves, por isso gente poderosa, mas eram homens, por isso gente algo inferior.
As coisas no espaço estavam a acontecer – exactamente – à velocidade da luz.
Concordaram em colocar todas as naves numa órbita hiperbólica tendo por eixo uma linha recta imaginária entre o desaparecido sol e a Alfa de Centauro, sendo que a ideia era que cada nave varresse com scanners a sua área no sentido de os computadores detectarem planetas habitáveis para o ser humano.
Funes, que estava quase a mudar o seu nome de El Memorioso para El Misericordioso, concordou em facultar a todos os outros os arquivos do Matriarcado Terrestre da Sempiterna Superioridade Feminina, incluindo os próprios registos que ele, Funes, já havia feito nesses arquivos desde a partida da Terra.

Neves de Ontem foi encarregada de todos os sistemas da nave de 100anos, à excepção do sistema de navegação, o que deixou as mulheres algo perplexas – na verdade, se 100anos pensara acordar Neves do seu sono criogénico, seria a coisa mais natural tirar partido da sua superioridade natural feminina colocando-a à testa de todos os sistemas significativos da nave.

“Não quero, desculpem lá mas o sistema de navegação controlo eu”, insistia Cem, renitente, “sempre fui eu a guiar os meus caminhos e não é agora que vou mudar”.

“Compreendo-o” declarou Funes, “e tiro o meu chapéu à sua coragem em afrontar o matriarcado nesta situação – é de homem, caray !”

“Senhor Funes, tenha dó”, adiantou Cleópatra, “contemporizar com um disparate é uma coisa, manifestar concordância activa com ele, é demasiado descarado”.

As outras mulheres (Augusta, Marta, Neves) emitiram murmúrios de acordo.
“Bom”, obtemperou Augusta, conciliadora, “agora o que interessa é mantermos a nossa pequena comunidade activa e eficiente – não haveria nada mais lamentável do que deixarmos escapar algum planeta habitável enquanto estamos para aqui a discutir o sexo das anjas”.
Apesar do tom conciliador, ficou no ar a ideia de que o pobre Cem era helpless.

(continua)

Contos Estelares - IV

"Desculpar-me-á, Cleópatra, mas eu não disse que concordo com o Cem, limitei-me a registar admiração por uma atitude corajosa, embora - acrescento agora - totalmente inconsequente", disse Funes, sibilinamente.
"Homens, são todos iguais e só pensam numa coisa", respondeu irritadamente Cleópatra, acrescentando sotto voce "não fazem nenhum e só pensam em carcanhol, os inúteis".
Toda a gente educadamente ignorou a tirada cleopatraniana.
"Continuas-me a pisar os calos, mas há-de haver um dia de libertação" pensou Cem com os seus botões, mais concretamente com os seus fechos éclairs, dado que o seu uniforme não tinha botões.
Por sugestão de Neves, todos anuíram a entrar em pseudo-sono profundo, ficando apenas ela acordada.
"Estou farta de dormir", explicou Neves, "já tive a minha conta, mas vocês estão cansados e desgastados; a minha sugestão é a de que toda a gente descanse enquanto for possível".
Antes, porém, foi necessário colocar em rede permanente todos os computadores, estabelecer sistemas de segurança automáticos para o despertar do pseudo-sono no caso de alguma coisa acontecer a Neves, corrigir trajectórias das naves mais excêntricas e programar os sensores para a detecção automática de sistemas habitáveis.
"E música ?", perguntou Cem.
"Música ?!", disseram várias vozes.
"Sim, música, amigos, é sabido que durante o sono o cérebro humano aceita estímulos; desde que esses estímulos sejam adequados, o sono só terá a ganhar em descanso e divertimento da pessoa em causa; eu, por exemplo, poderei programar o meu computador para me proporcionar música dos sixties, que é a que eu mais gosto, tipo Beatles, Stones, Hendrix, Neil Young, Eric Clapton".
Assim as futuras e os futuros Belas(os) Adormecidas(os) escolheram as suas músicas.
Augusta Nina escolheu entre outros Diana Kroll, Eric Clapton e muita música clássica.
João e Marta, jovens já nascidos na nave, escolheram música concreta.
Cleópatra escolheu algumas melodias em que avultavam as canções de um tal Frank Sinatra e pulou de fúria quando alguém disse "pimba, pimba" no intercomunicador, mas não se deu por achada; em surdina, optou ainda pelo
Michael Bublé e pelo Rodrigo Leão.
Funes escolheu os clássicos.
Todos sabiam que aquele soninho iria durar várias décadas...
Fim do capítulo I
(continua)

Contos Estelares - V


Capítulo II – Viagem pelo éter infinito

Neves olhou para a maquinaria da cabine que a rodeava e pensou como se enganara.
Estivera convencida de que o longo período de solidão que tinha começado iria ser entediante e chato, quando, pelo contrário, estava sempre a ser solicitada para as mais diversas tarefas.
Naquele momento acendeu-se a luz do robot Explorador, indicando mais uma vez que havia à frente um sistema solar possivelmente habitável; já era a 5ª vez que isso acontecia, nas restantes quatro vezes verificou-se rapidamente que era alarme falso.
Neves saltou e foi examinar o visor, onde já se estava outra vez a formar a mensagem “Demasiada radiação – impossível a vida humana”
Mais um falso alarme !
O grupo de naves há muito que tinha ultrapassado Alfa do Centauro, que estava a cerca de 4,2 anos-luz da antiga Terra – todos os planetas antes prometedores tinham sido contaminados pela implosão do sol terrestre, pelo que agora só havia uma coisa a fazer, tal como previamente combinado com os restantes: manter a formação de naves e seguir em direcção da nebulosa de Andrómeda onde a estrela Alfa de Andrómeda tinha à sua volta planetas prometedores; esta estrela estava a 97 anos-luz da antiga Terra e havia poucas possibilidades de a radiação libertada pela implosão do sol a ter afectado; ela e a sua gémea eram cerca de 200 vezes mais brilhantes que o sol e no seu núcleo registavam-se temperaturas da ordem dos 13.000 graus Kelvin.

97 anos-luz !
E as naves só podiam avançar à velocidade da luz, pois algumas delas não ultrapassavam tal velocidade – se queriam seguir juntos, os astronautas teriam que adoptar a velocidade dessas naves.
Neves ponderou o que deveria fazer.
Os outros astronautas estavam em hibernação, com os processos de envelhecimento praticamente parados; daí a 97 anos estariam mais ou menos na mesma.
Mas Neves estaria com mais de 120 anos e mesmo com as técnicas mais modernas de retardamento do envelhecimento estaria uma idosa muito mirradinha por essa época.
Lembrou-se a despropósito de uma frase do “Corsário Negro” de Emílio Salgari, que tinha lido na adolescência: “como resolver dilema tão atroz ?”
Mierda, mierda, pensou, estou metida numa embrulhada dos demónios.
Não, aquilo não podia ser assim, alguma coisa estava a falhar de certeza.
Neves introduziu os dados num computador portátil e esperou os resultados durante um bom bocado.
Finalmente apareceram: “Secção 3-C do Manual de Bordo, Capítulo 32, Versículo 10”.
Clicou no link respectivo e apareceu a regra do manual: “A nenhum membro da tripulação é lícito tomar decisões isoladamente que impliquem um período de tempo de adormecimento dos restantes superior a 10 anos; nessa eventualidade o tripulante deve acordar um adormecido qualificado e aconselhar-se com ele sobre a decisão a tomar; se as opiniões dos dois não forem idênticas ou razoavelmente semelhantes, deverão acordar um terceiro membro da tripulação, que desempatará”.
Bale !, suspirou Neves com alívio.
Decidiu acordar Cleópatra.

(continua)

Contos Estelares - VI

Cleópatra sentou-se no sarcófago criogénico, que estava de tampa aberta, e o seu olhar dirigiu-se logo para o calendário, apercebendo-se de que tinha estado em hibernação muito pouco tempo.
A seu lado João, Marta e Augusta dormiam o sono dos justos.

Sabia que nas respectivas naves Funes e Cem dormiam também.
Sabia também que provavelmente teria sido Neves a acordá-la, a não ser que algum acidente tivesse accionado o despertar automático.
Pouco depois Neves juntou-se-lhe em videoconferência, ambas já nas respectivas salas de comando das suas naves.

Neves explicou a Cleópatra o que tinha acontecido e a razão porque a tinha acordado.

Explicou que tinha configurado várias hipóteses para a solução do problema que enfrentavam:

1. Usar a nave em que estavam, Poseidon, que tinha propulsão Erkhart e que podia em poucos anos fazer a viagem a Andrómeda e voltar (a propulsão Erkhart permitia viagens a 20 vezes a velocidade da luz; em cerca de 10 anos-padrão a Poseidon conseguiria deslocar-se 200 anos-luz, ou seja, podia fazer uma viagem de ida e volta a Andrómeda).

2. Deixar a expedição prosseguir apenas à velocidade da luz, tentando descobrir um sistema habitável antes de Andrómeda.

3. Obrigar os computadores a fazerem um “brainstorming” por forma a apurar quais os sistemas estelares próximos mais prometedores em termos de habitabilidade (opção perigosa pois era frequente nestas tentativas um ou dois computadores não aguentarem a carga de terabytes envolvida e rebentarem os discos e as memórias centrais.

4. Combinar as partes compatíveis das hipóteses 1, 2 e 3.

Neves deixou bem claro que a sua preferência tendia para a hipótese 3 – computer brainstorming.

Cleópatra disse-lhe que precisaria de pelo menos 24 horas de estudo e reflexão para se sentir com o à vontade de formular uma opinião.

Meteu-se na sua cabine manejando o computador portátil, fazendo cálculos e mais cálculos, tudo a funcionar sobre o sistema operativo Windows.

Passado umas horas voltou à sala de comando e requisitou um novo portátil equipado com outro sistema operativo, o Linux; depois de o receber, trabalhou mais umas horas, dizendo volta e meia uma imprecação em surdina.

Finalmente, cansadíssima e insone, voltou a ligar a videoconferência, contactando Neves.

“Minha amiga, estamos com um problema”, disse, “creio que a tua proposta é inadequada, segundo os meus cálculos a hipótese 1 é a mais prometedora, oferecendo 80% de margem de sucesso, enquanto nenhuma das outras ultrapassa os 60% de probabilidades”.

“Temos de acordar o terceiro elemento”, constatou Neves, “mas quem ?”

“Simples”, respondeu Cleópatra, “isto é um problema sério, tem que ser resolvido pelos mais capazes e os mais capazes somos nós, as mulheres, como concordarás – a nossa melhor mulher adormecida, pela sua sagacidade e pela sua experiência é Augusta Nina”.

“Seja”, anuiu Neves, “mas por favor, depressa, porque estamos a chegar a um eixo axial importante da viagem e a eventual mudança de eixo tem que ser decidida a curto prazo”.

Accionaram o despertar de Augusta.

Passado uma hora já Augusta estava desperta e inteirada do problema que enfrentavam.

“Cabe-me então a mim desempatar”, constatou Nina, olhando preocupada para o visor de videoconferência – “oiçam lá, e se eu tiver uma quinta opinião não coincidente com nenhuma das vossas ?”.

“É que tenho mesmo, caras amigas, a minha opinião é a de que perante todo este imbróglio a nossa melhor hipótese de sucesso é a ligação física das quatro naves e a construção de uma estação espacial que apontaremos ao sistema solar mais próximo, mas qual ?”

“Bom, como sabemos da mitologia, a figura formada pelas estrelas próximas à constelação de Cepheus lembra a duma figura humana sentada num trono – só que de cabeça para baixo. Para os gregos, isso representava a punição por um crime severo e logo associaram essa constelação ao mito de Cassiopéia: a vaidosa rainha da Æthiopia que comparou sua beleza à das Nereidas, filhas de Poseidon. Como punição, os deuses exigiram que sua filha, Andrômeda, fosse sacrificada ao monstro Cetus (uma besta similar a uma baleia) para que seu país não fosse inundado pelas ondas de Poseidon”.

“De cabeça para baixo estou eu a ficar, Nina”, disse Neves, “não estou a compreender onde queres chegar”.

“Bom, eu cá já nem sei se tenho cabeça”, suspirou Cleópatra, “que havemos de fazer ?”

Concordaram em consultar o Manual de Bordo, indagando qual o procedimento no caso de as três terem opiniões divergentes, introduziram os dados no computador central da nave de Nina (o mais poderoso de todos), o qual pouco depois despejou a resposta: "o sistema determina que três mulheres discordantes são demasiado teimosas nas suas opiniões, levando a um perigoso desequilíbrio de segurança, a solução indicada é elegerem um homem dos adormecidos qualificados e nomearem-no vosso chefe máximo - só um homem poderá lidar com 3 mulheres ao mesmo tempo sem se envolver em discussões inultrapassáveis".

"A máquina enlouqueceu", exclamaram as três, incrédulas.
(continua)

Contos estelares - VII

"A máquina enlouqueceu", exclamaram mais uma vez as três, incrédulas.
No visor do computador apareceu outra mensagem:

“Como mulheres (...) que são, as senhoras julgam que o computador enlouqueceu, naturalmente.

Fui programado para aceitar contingências dessa natureza.

Há uma alternativa à nomeação de um homem-chefe: acordarem os dois adormecidos qualificados (Funes e Cem) e aceitarem-nos como vossos pares em todos os debates e discussões que se vão seguir”.

“Bom, continuo a pensar que a máquina está com algum problema, mas esta alternativa já me parece mais razoável”, disse Cleópatra.

As outras duas ex-Belas Adormecidas concordaram.

Resolveram pois acordar os dois adormecidos, o que fizeram acto contínuo.

“Que fome !”, exclamou Cem espreguiçando-se “bolas, foram-me acordar quando eu estava a sonhar com iguarias gastronómicas inexprimíveis”.

“Também tenho fome” declarou sucintamente Funes.

“Bom, mas é necessário discutirmos”, obtemperou Neves.

“Desculpem lá, minhas Senhoras, mas eu sou incapaz de discutir o que quer que seja, de barriga vazia e com esta fome ! Posso oferecer-vos uma feijoada com todos, feita à transmontana, que poderei confeccionar aqui e enviar-vos pelo transpositor de matéria”.

“Também tenho fome” repetiu igualmente sucintamente Funes.

“Funes, V. está a ficar um bocadito monocórdico”, chasqueou Cleópatra, “mas o melhor é não perdermos mais tempo e conciliar tudo – Cem, em quanto tempo consegue fazer a feijoada ?”

“Em uma hora posso ter tudo pronto”.

Os outros concordaram em esperar pela dita.

Uma hora depois começaram as chegar as feijoadinhas quentinhas às várias naves, acompanhadas por um arroz branco malandrinho e torresmos transmontanos para servir à parte; em anexo, chegaram também umas garrafinhas de vinho tinto “Dão Meia Encosta”, para “acompanhar à missa” e um piri-piri especial made in Cem.

Todos comeram e beberam excelentemente, tendo mesmo Augusta declarado que há muito não comia uma feijoada tão bem apurada, e – pasme-se ! – com a concordância de todas as outras mulheres.

“Cem, como é que V. faz isto ?”, perguntou Funes entusiasmado.

“Oh, oh, meu amigo, são alguns anos de escravidão na cozinha de algumas mulheres que conheci na velha Terra – cheguei à conclusão de que a única forma de elas me darem alguma liberdade era alcançar-lhes as barriguinhas, desenvolvi esta técnica de feijoada e nunca mais tive problemas – se as estimar bem, com bons cozinhados, elas dão-me uma margem de liberdade de movimentos que nunca conseguiria ter como simples técnico qualificado, mesmo da classe A”.

“Já todos comeram ?”, indagou Cem.

Já todos tinham comido e bebido.

Os cinco iniciaram então uma reunião em videoconferência, debatendo as hipóteses em cima da mesa.

Cem declarou pouco depois que achava a 1ª hipótese a mais susceptível de sucesso, desde que combinada, na medida do possível com a proposta de Augusta.

Funes declarou que concordava, desde que as naves interligadas tivessem sistemas de privacidade que inviabilizassem qualquer intromissão na vida privada de cada um.

Neves e Augusta concordaram com as sugestões e Cleópatra sempre estivera de acordo com a solução gizada.

Havia muito a fazer.

(continua)



segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Tribunais - visita ao passado



O Crimson King Court é um tribunal, digamos, diferente.

A figura do ano: o Pónhónhó

Depois de algumas leituras deletérias, como seja o blog do meu amigo Funes El Memorioso, chego à conclusão de que a figura do ano só pode ser o pónhónhó.
O mundo está cheio de pónhónhós que infernizam a vida aos outros pónhónhós e também aos cidadãos, digamos, “normais”.
Pónhónhó é o cidadão que num parque automóvel com 4 pisos, em que o primeiro está lotado e os outros 3 estão vazios, procura durante meia hora um lugarzinho para pôr o carrinho no 1º piso, pensando com os seus botões que por alguma coisa todos os outros escolheram esse piso.
Pónhónhó é o cidadão que anda a 80 Km/hora na faixa esquerda da auto-estrada com a faixa direita completamente livre (por vezes anda na faixa esquerda mesmo quando há 3 faixas de rodagem).
Pónhónhó é o tipo que “emprenha de ouvido” (desculpem a vulgaridade da expressão) com as notícias sobre a procuradora não-sei-quantas que foi nomeada para o processo não-sei-quê, manifestando a convicção de que a partir de agora tudo será diferente.
Pónhónhó é o tipo que apoia o governo porque “está a fazer coisas” mas não faz a menor ideia sobre que coisas são essas e muito menos sobre as consequências dessas coisas que se andam a fazer.
Pónhónhó é o tipo que se comove com os shows televisivos tipo Dança Comigo ou Canta Para Mim, que vê religiosamente uma ou duas telenovelas por dia, que viu com emoção o “Big Brother” e jamais associará tal expressão a George Orwell, porque não sabe nem quer saber.
O mundo está repleto de pónhónhós, mais: o mundo é governado por pónhónhós, que têm ganho imenso terreno na sua esfera de influência.
Atribuo por isso ao pónhónhó essa ilustre distinção, nomeando-o, Figura do Ano.
Vivam os pónhónhós ! Abaixo a inteligência !