quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Contos Estelares - IV

"Desculpar-me-á, Cleópatra, mas eu não disse que concordo com o Cem, limitei-me a registar admiração por uma atitude corajosa, embora - acrescento agora - totalmente inconsequente", disse Funes, sibilinamente.
"Homens, são todos iguais e só pensam numa coisa", respondeu irritadamente Cleópatra, acrescentando sotto voce "não fazem nenhum e só pensam em carcanhol, os inúteis".
Toda a gente educadamente ignorou a tirada cleopatraniana.

"Continuas-me a pisar os calos, mas há-de haver um dia de libertação" pensou Cem com os seus botões, mais concretamente com os seus fechos éclairs, dado que o seu uniforme não tinha botões.
Por sugestão de Neves, todos anuíram a entrar em pseudo-sono profundo, ficando apenas ela acordada.
"Estou farta de dormir", explicou Neves, "já tive a minha conta, mas vocês estão cansados e desgastados; a minha sugestão é a de que toda a gente descanse enquanto for possível".
Antes, porém, foi necessário colocar em rede permanente todos os computadores, estabelecer sistemas de segurança automáticos para o despertar do pseudo-sono no caso de alguma coisa acontecer a Neves, corrigir trajectórias das naves mais excêntricas e programar os sensores para a detecção automática de sistemas habitáveis.
"E música ?", perguntou Cem.
"Música ?!", disseram várias vozes.
"Sim, música, amigos, é sabido que durante o sono o cérebro humano aceita estímulos; desde que esses estímulos sejam adequados, o sono só terá a ganhar em descanso e divertimento da pessoa em causa; eu, por exemplo, poderei programar o meu computador para me proporcionar música dos sixties, que é a que eu mais gosto, tipo Beatles, Stones, Hendrix, Neil Young, Eric Clapton".
Assim as futuras e os futuros Belas(os) Adormecidas(os) escolheram as suas músicas.
Augusta Nina escolheu entre outros Diana Kroll, Eric Clapton e muita música clássica.
João e Marta, jovens já nascidos na nave, escolheram música concreta.
Cleópatra escolheu algumas melodias em que avultavam as canções de um tal Frank Sinatra e pulou de fúria quando alguém disse "pimba, pimba" no intercomunicador, mas não se deu por achada; em surdina, optou ainda pelo
Michael Bublé e pelo Rodrigo Leão.
Funes escolheu os clássicos.
Todos sabiam que aquele soninho iria durar várias décadas...
Fim do capítulo I
(continua)

Contos Estelares - III

Os heróis espaciais continuaram a dialogar durante longo tempo.
Cleópatra aceitou deixar de enviar remoques a 100anos.
Marta resignou-se a que alguma das outras mulheres enviasse volta e meia um sarcasmo a João: afinal de contas, como Marta sabia muito bem, João pertencia ao sexo inferior, ainda mais inferior que Funes ou 100anos, pois não comandava uma nave e era um subalterno naquela em que estava.
Aliás, todas as mulheres encaravam Funes e 100anos como uma espécie de “quase-pares”, pois eram comandantes de naves, por isso gente poderosa, mas eram homens, por isso gente algo inferior.
As coisas no espaço estavam a acontecer – exactamente – à velocidade da luz.
Concordaram em colocar todas as naves numa órbita hiperbólica tendo por eixo uma linha recta imaginária entre o desaparecido sol e a Alfa de Centauro, sendo que a ideia era que cada nave varresse com scanners a sua área no sentido de os computadores detectarem planetas habitáveis para o ser humano.
Funes, que estava quase a mudar o seu nome de El Memorioso para El Misericordioso, concordou em facultar a todos os outros os arquivos do Matriarcado Terrestre da Sempiterna Superioridade Feminina, incluindo os próprios registos que ele, Funes, já havia feito nesses arquivos desde a partida da Terra.

Neves de Ontem foi encarregada de todos os sistemas da nave de 100anos, à excepção do sistema de navegação, o que deixou as mulheres algo perplexas – na verdade, se 100anos pensara acordar Neves do seu sono criogénico, seria a coisa mais natural tirar partido da sua superioridade natural feminina colocando-a à testa de todos os sistemas significativos da nave.

“Não quero, desculpem lá mas o sistema de navegação controlo eu”, insistia Cem, renitente, “sempre fui eu a guiar os meus caminhos e não é agora que vou mudar”.

“Compreendo-o” declarou Funes, “e tiro o meu chapéu à sua coragem em afrontar o matriarcado nesta situação – é de homem, caray !”

“Senhor Funes, tenha dó”, adiantou Cleópatra, “contemporizar com um disparate é uma coisa, manifestar concordância activa com ele, é demasiado descarado”.

As outras mulheres (Augusta, Marta, Neves) emitiram murmúrios de acordo.
“Bom”, obtemperou Augusta, conciliadora, “agora o que interessa é mantermos a nossa pequena comunidade activa e eficiente – não haveria nada mais lamentável do que deixarmos escapar algum planeta habitável enquanto estamos para aqui a discutir o sexo das anjas”.
Apesar do tom conciliador, ficou no ar a ideia de que o pobre Cem era helpless.

(continua)

Cachimbo da Paz


Aqui está o Cachimbo da Paz (Peace Pipe) à maneira dos Shadows

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Contos Estelares - II

“Olhe, Cleópatra, vamos fazer um pacto: você não me faz ameaças infantis e eu não me rio de si, OK ? Então pensava que eu vinha para o espaço exterior sem ter um escudo anti-projécteis capaz de travar qualquer ataque ?”.
Fez-se finalmente silêncio.
João, Marta, Augusta, Cleópatra, Funes e Cem mantiveram o silêncio durante tanto tempo que ele começou a ficar pesado. Todos eles pensavam na vida e na forma de sobreviverem. Por sugestão de Marta, puseram todos os computadores de bordo de todas as naves em comunicação, de forma a alargar a base de conhecimento de todos.
De súbito, os computadores começaram a emitir um sinal de alerta – não era um alerta de perigo imediato, era apenas um alerta de avaria no porão da nave de 100anos.
“Cem, consegue ir ver o que se passa, enquanto nós esperamos ?” indagou Funes.
“Vou tentar”. 100anos saiu da cabine de comando e começou a descer a longa escadaria sem gravidade que levava ao porão; aí chegado, verificou que uma figura estava sentada numa banheira criogénica, coisa muito estranha, pois a banheira criogénica destinava-se a deixar em hibernação qualquer ser vivo que lá se colocasse até ser despertada lentamente através de um processo de aquecimento artificial muitíssimo sofisticado.
O que teria corrido mal ? A figura sentada viu 100anos e exclamou “já não era sem tempo, Cem, por este andar deixavas-me congelada até ao dia do juízo final” – Neves de Ontem, em todo o seu esplendor de jovem salerosa, sorria.
“Ó Neves, que grande susto ! Mas então como estás acordada ?”.
“Deves ter sido tu a accionar o processo”.
“Não fui”.
Xiiiii – desculpem, meus amigos, mas o meu computador já fez merda”, disse Funes, “já compreendi – foi o meu computador, que está programado para a des-criogenização automática, que quando entrou em contacto com o computador do Cem enviou o sinal automaticamente e accionou o despertar da Nieves – olá Nieves, Bela Adormecida, voltaste à vida !”.
“Olá Prof. Funes, buenos ojos o vejam – ó Cem, ajuda-me aqui a sair deste sarcófago gelado, senão nunca mais me despacho”.
100anos lá foi ajudar – assim que carregou no botão da normalização criogénica cessou o aviso de alerta que estava a enervar toda a gente.
“Bom”, disse 100anos, “acho que devo uma explicação a todos: quando saí da Terra trouxe comigo algumas pessoas amigas clandestinamente; uma delas foi a Nieves; disfarcei-a de “Vitória de Samotrácia”, meti-a num molde de mulher sem braços (claro !) e quando a Polícia Inter-Estelar me inspeccionou o porão, disse que era uma estatueta de adorno; os tipos deixaram passar, a ela e aos outros que – estranhamente – continuam criogenizados”.
“Não é nada de espantar”, disse Funes, “claro que já anulei a ordem automática do meu computador, a partir de agora não vai des-criogenizar ninguém”.
No problem, Funes, eu de qualquer maneira ia mesmo despertar a Nieves a curto prazo, pois estou a precisar de ajuda na manipulação dos comandos desta nave”.
(continua)

Eureka ! Eureka !


Puxa vida, custou, mas descobri.
Descobri como colocar músicas na net, proporcionar às pessoas ouvi-las, sem lhes impor a música, só ouve quem quer.
Ora vejam, se quiserem:

Uma homenagem a Sandy Denny - versão instrumental a 3 violas da famosa canção Sandy Goes to Solo.

All Our Past Times, versão semi-acústica instrumental da canção do velho Clapton.

Perfídia, tocada numa viola eléctrica pura e dura, uma Gibson SG Special.

Are you lonesome ?


Estás só ?
Não te preocupes.

Muitos outros também estão.
Mais vale sozinho que mal acompanhado...
Curte a música do Elvis e deixa-te estar, que estás bem.
Clica aqui.


Are You Lonesome Tonight?
Elvis Presley
(words & music by Roy Turk and Lou Handman)

Are you lonesome tonight
do you miss me tonight
Are you sorry we drifted apart
Does your memory stray to a bright sunny day
When I kissed you and called you sweetheart
Do the chairs in your parlor seem empty and bare
Do you gaze at your doorstep and picture me there
Is your heart filled with pain, shall I come back again
Tell me dear, are you lonesome tonight

Spoken:
I wonder if you're lonesome tonight
You know someone said that the world's a stage
And each must play a part
Fate had me playing in love you as my sweet heart
Act one was when we met, I loved you at first glance
You read your line so cleverly and never missed a cue
Then came act two, you seemed to change and you acted strange
And why I'll never know
Honey, you lied when you said you loved me
And I had no cause to doubt you
But I'd rather go on hearing your lies
Than go on living without you
Now the stage is bare and I'm standing there
With emptiness all around
And if you won't come back to me
Then they can bring the curtain down

Is your heart filled with pain, shall I come back again
Tell me dear, are you lonesome tonight


Contos Estelares - apanhado geral

O sol foi ficando lentamente para trás.
O seu enorme disco foi diminuindo e ao fim de um mês de viagem, da nave “Platão”já só se via o disco solar através de instrumentos de alta precisão.
Foi então que o efeito Erkhart foi utilizado na propulsão – e a nave passou a viajar a uma velocidade 10 vezes maior que a velocidade da luz.
O mundo apagou-se, para trás da nave ficou um oceano negro.
Para frente... o desconhecido.
Na nave viajavam 900 mulheres e 100 homens, uma proporção considerada razoável, atendendo a que os homens podiam rapidamente fabricar muitos filhos e as mulheres demoram nove meses a fazê-lo.
Na sua nave gémea, “Aristóteles”, havia uma proporção de homens e mulheres semelhante (uma vez que a mulher é o ser mais avançado da Criação, achou-se que seria bom acentuar essa desproporção com os homens).
A Platão e a Aristóteles partiram da Terra quase ao mesmo tempo, apontando genericamente a Alfa do Centauro, mas fazendo caminhos diferentes – enquanto a Platão ia equipada com um motor Erkhart, a Aristóteles contava apenas com motores tradicionais, capazes apenas de a fazer avançar à velocidade da luz.
(...)

João olhou consternado para o monitor do computador.
Ficou uns minutos silencioso, até que se decidiu e chamou Marta: a cinco anos-luz verificava-se uma depressão no espaço muito mais pequena que um planeta mas com forte radiação – só podia ser uma nave espacial equipada com propulsão nuclear.
A nave enviava uma mensagem constante em linguagem binária, já quase esquecida pelos astronautas.
“São 12 números, todos zeros e uns” disse Marta com o seu ar autoritário.
Marta estava habituada à superioridade natural das mulheres e nunca disfarçava esse complexo de superioridade; ainda por cima achava alguma graça a João (já lhe tinha pregado uma ou duas partidas) e tinha tendência para o pôr no seu lugar, só para mostrar quem é que mandava.
“Já apanhei o código” exclamou João C – L – E – O – P – A – T - R – A.
“Coleópteros são antigos insectos que havia na velha Terra” disse Marta.
“Nada disso” – ouviu-se pela primeira vez em muitos anos a palavra da Profª Augusta Nina, há muito retirada nos seus aposentos, que se dedicava a uma arte antiga e pouco conhecida, a poesia.
“Cleópatra é o nome de uma rainha do antigo Egipto, adorada pelos homens e venerada pelos crocodilos”, explicou a professora – “além disso...”
“M – O – O – N”, completou João, “a nave está a enviar um sinal que significa CLEOPATRAMOON”.
Augusta semicerrou os olhos e disse, sonhadora “em tempos, há muitos anos, tive na Terra uma amiga que tinha por hábito usar esse nome numa publicação cibernética – coitada, já deve estar completamente torrada há dezenas de anos, desde que o sol se tornou numa supernova e implodiu, arrastando todo o sistema atrás dele”.
“Por acaso até estás enganada, Nina” disse uma voz feminina surpreendentemente juvenil, saída do computador.
Toda a tripulação deu um salto, incluindo a Augusta professora.
“Não se assustem” continuou a voz “desculpem, mas não foi difícil captar a frequência do vosso computador e comunicar de viva voz convosco – eu sou uma sobrevivente, tal como vós”.
(continua)
Cleo ?” – perguntou incrédula Augusta Nina.
“Herself, in person”, respondeu o computador, e continuou “deram-me esta nave para experimentar e a meio da experiência reparei que o sol se estava a desintegrar, então rumei a Alfa do Centauro, porque felizmente tinha os depósitos cheios; tenho urânio para dar e vender, comprei-o aos fellahs à revelia dos Américas, e foi um ver-se-te-avias – andei no espaço 3 meses até que vos vi”.
“3 meses ?!”, exclamou João, “mas nós estamos no espaço há 20 anos”.
“Vê-se logo que és homem, ó fedelho”, respondeu o computador, “nunca ouviste falar da compressão do espaço/tempo por acção da aceleração gravitacional ?”
“Afinal, quem é você e quem é que lhe deu confiança para falar assim, mesmo aos inferiores”, indagou Marta, furiosa e belicosa.
“Olha, filha, eu, rufias como tu, meti muitas no xelindró na velha Terra, quando por lá andávamos, mas deixa estar que aqui no espaço não tenho tempo para me ocupar de ti”.
“Mas que raio de merda vem a ser isto, caray ?” perguntou uma voz também vinda do computador, uma voz masculina com sotaque português nortenho.
“Não se cansem a tentar descobrir quem eu sou – também sou um sobrevivente – Funes, El Memorioso, para vossa sorte e azar meu !”
(continua)
“Olá Funes”, exclamou Cleópatra, “modesto como sempre”.
“Olá Colega” disse Augusta, sempre cool.
Ruído de fundo.
Mais ruído de fundo.
Ainda mais ruído de fundo.
Após 10 minutos de ruído ouviu-se claramente o código de identificação de uma nave Erkhart, produzindo um ruído cada vez mais escandaloso em que se podia reconhecer o “Made in Japan”, dos Deep Purple.
Smoke, on the water, smoke on the water, how did you lose your virginity, Marylou, when will you lose your stupidity, Marylou…”
“Porra, temos mais um conviva”, exclamou Funes “quem és tu, ó meu ?”
“UUUppss, já não estou sozinho – e quem pergunta o meu nome ó meu ?” ressoou o computador.
“Sou Funes, El Memorioso, nomeado pelo Matriarcado Terrestre da Sempiterna Superioridade Feminina para fazer a história destes viajantes espaciais – e agora, poderás responder à minha pergunta ? Quem és tu ?”.
“Sou o 100anos – chiça que em Terra escolhi o pseudónimo de 100 anos de solidão e já gramei com cinquenta aninhos a ouvir sozinho as músicas da minha criação – é bom vê-lo/ouvi-lo, caro Funes, é excelente ver que temos a Augusta Nina e a Cleópatra entre nós, está recomeçada a sociedade humana, mais coisa menos coisa”.
“Merda, que já perdi quinhentos paus”, ouviu-se no computador a voz de Cleópatra.
Augusta Nina exclamou “és tu, Cem ?, que engraçado, nós todos juntos numa esfera de cinquenta anos-luz, estamos mais próximos do que se estivéssemos a tomar uma bica do bar das letras”.
“Olhe lá, ó Dona Cleópatra, você está a exagerar”, disse 100anos, “os seus trejeitos autoritários aqui no deep space não valem uma petição inicial mal enjorcada, percebeu, sua ditadorazeca-de-trazer-por-casa ?”
Ouviu-se um ruído estrilhado, seguido de silêncio; passado um pouco ouviu-se a voz de Cleópatra “desculpem, mas sem querer atirei o microfone contra o computador de bordo e precisei de fazer o reset, mas já está tudo bem – olhe, ó senhor Cem, eu nunca lhe dei confiança para me falar dessa forma deselegante e desabrida, fique sabendo que já lhe apanhei o sinal astronómico e não me ensaio nada para lhe pregar com uma ameixa de 20 megatoneladas, percebeu, seu atrevido ?
(continua)

Contos Estelares

A historieta de ficção científica - bastante mais ficção do que científica :):):) - que comecei abaixo no post intitulado "Desafio ao Leitor" vai ficar com o nome de "Contos Estelares".
A partir de agora seguir-se-ão novos posts com essa indicação e um número de referência, para ilsutrar os capitulos (Contos Estelares - I, Contos Estelares - II, etc.).

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Desafio ao leitor

Desafio ao leitor:
Abaixo, vou iniciar uma “estória” de ficção científica; o que peço aos leitores é o favor de a continuarem nos comentários que queiram fazer.
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O sol foi ficando lentamente para trás.
O seu enorme disco foi diminuindo e ao fim de um mês de viagem, da nave “Platão”já só se via o disco solar através de instrumentos de alta precisão.
Foi então que o efeito Erkhart foi utilizado na propulsão – e a nave passou a viajar a uma velocidade 10 vezes maior que a velocidade da luz.
O mundo apagou-se, para trás da nave ficou um oceano negro.
Para frente... o desconhecido.
Na nave viajavam 900 mulheres e 100 homens, uma proporção considerada razoável, atendendo a que os homens podiam rapidamente fabricar muitos filhos e as mulheres demoram nove meses a fazê-lo.
Na sua nave gémea, “Aristóteles”, havia uma proporção de homens e mulheres semelhante (uma vez que a mulher é o ser mais avançado da Criação, achou-se que seria bom acentuar essa desproporção com os homens).
A Platão e a Aristóteles partiram da Terra quase ao mesmo tempo, apontando genericamente a Alfa do Centauro, mas fazendo caminhos diferentes – enquanto a Platão ia equipada com um motor Erkhart, a Aristóteles contava apenas com motores tradicionais, capazes apenas de a fazer avançar à velocidade da luz.
(...)

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Que grande farra !

Hoje andava "abonado" ao contrário do que tem acontecido nos últimos tempos, devido a despesas inesperadas e urgentes.
(Aliás este “secão” de dinheiro não me faz mal nenhum, pois não há nada mais idiota do que um tipo convencer-se de que é alguém só porque anda sempre com dinheiro farto no bolso – andar “liso” ou “limpo”, sem cheta, reconduz alguns neurónios mais manhosos aos seus devidos lugares, por isso até nem me queixo).
Mas, como digo, hoje estava abonado.
Por coincidência, passei à frente da minha livraria preferida, aqui ao pé de casa: estavam lá uma data de livros de ficção científica, da colecção Argonauta, que eu não tinha (tenho centenas e centenas de volumes da Argonauta, que comprei durante uns 25 anos e me têm acompanhado ao longo da minha vida); gulosamente, fui-os escolhendo, depois de me aperceber que custava 1 euro cada.
Comprei uma data deles.
Nos próximos tempos acho que me vou apartar um pouco do romance histórico e vou mergulhar de corpo e alma na ficção científica, que há muito não leio.
Gosto muito de alguns autores consagrados de FC, em especial do one and only Isaac Asimov – a trilogia da Fundação é qualquer coisa de realmente extraordinário.
De certo modo o futuro já chegou: se há 30 ou 40 anos soubéssemos que hoje se compram aparelhos que se ligam ao computador e fazem tudo sozinhos através de uma simples ligação USB, teríamos a sensação de estar perante robots inteligentes.
Espero que esta montanha de FC que comprei não me desiluda.
Falar-vos-ei disso mais tarde.

O Bokassa madeirense

Estava eu à espera que esta maltosa caísse na real depois do Carnaval, aparece o Bokassa da Madeira a fazer mais um dos seus golpes de rins e a desviar as atenções do essencial para a questão do mais dinheirinho ou menos dinheirinho para a porcaria da região autónoma.
Mais um favor que os xuxalistas lhe ficam a dever...

IKEA !

Quero aqui consignar a minha gratidão ao IKEA !
Há 20 anos que eu tinha os livros num badanal sem remédio.
Com as estantes do IKEA, compradas em módulos e montadas em casa, gastei menos de 100 contos e arranjei lugar para uns 3 mil livros.
É certo que os corredores ficaram mais estreitos e algumas paredes ficaram cobertas de livros.
Entretanto, quando realmente comecei a arrumar a livralhada, descobri que tinha alguns livros em duplicado e triplicado, resultado da confusão em que eles estavam.
Aqui fica uma velinha acesa de agradecimento.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Três livros para escrever

Tenho três livros para escrever:
Um sobre questões técnicas e científicas, que ando há anos a programar e que não há meio de me sair para o teclado.
Outro sobre histórias passadas ao longo da minha vida, com episódios mais ou menos picantes e outros mais tristes ou alegres, consoante o período em causa.
Um terceiro, especificamente dirigido ao meu filho, a contar-lhe as pequenas historietas da vidinha dele – estou a fazer ao rapaz aquilo que eu adorava que o senhor meu Pai me tivesse feito.
O primeiro poderá chamar-se qualquer coisa como “O mundo digital”.
Ao segundo ainda não lhe encontrei título.
O terceiro será simplesmente chamado “Meu Filho”.
Peço sugestões sobre títulos para estas três obras de escrituração.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Angie

Estávamos em 1972. Eu estava na casa dos 20 anos, era universitário, usava o cabelo comprido, não fazia a barba e tinha fascínio pelos hippies. Um amigo desafiou-me a ir a Londres passar uma semana, disse-me que tinha uma casa “duns amigos” onde podia ficar, malta porreira. Lá fui.
Cheguei sozinho ao aeroporto de Gatwick, tomei o comboio para Victoria Station e dali o Metro para a Brompton Road; a casa onde eu ficaria situava-se nas proximidades. Quando lá cheguei, ultra cansado, fui bem recebido pela malta – todos eles (e elas) se pareciam vagamente comigo, éramos todos hippies – e pedi para tomar um banho. Levaram-me à cozinha !
Na dita cozinha havia uma espécie de uma arca, que se abria e quando a abriram verifiquei que dentro dela existia uma... banheira.
Subitamente, pela casa toda ressoa alto e bom som o “Angie” dos Stones, acabadinha de ser lançada.
Tomei um duche – fiquei longo tempo a sentir a água quente a inundar-me o corpo suado, a suavizar a secura dos poros; larguei um porradão de champô em cima da farta cabeleira e estive entretido a tirar o dito durante bastante tempo, de olhos fechados. Quando abri os olhos, uma loira com os seus 20 anos barrava calmamente um pão com manteiga e olhava-me apreciativa e ostensivamente, sorrindo abertamente quando baixava o olhar e focava as minhas “partes”. “Porra, que raio de filme é este ?” – foi o meu pensamento imediato (soube mais tarde que as regras da casa implicavam que nunca se podia fechar a porta da cozinha, pois as pessoas comiam a qualquer hora – quem queria tomar banho tomava à vontade, mas se tivesse que ser diante de toda a gente, estranhos incluídos, lá teria mesmo que ser). A loira sorriu mais uma vez, disse-me “Pas mal” e foi-se embora. Fiquei siderado, ainda um bocado zonzo por ter estado nuzinho em pêlo diante de uma beldade loura que – em Londres ! – se me dirigia em francês... Tive sorte: caí nas boas graças da diva – chamava-se Lydie e era uma trotskista francesa do Norte, vivia em Lille e volta e meia dava uma saltada a Londres para arejar ideias.
Claro que logo nessa noite dormi com ela (il faut faire la revolution, quand même) – aliás ela não me deu qualquer hipótese de fuga, pois quando a hora da deita se aproximou, olhou-me e declarou “je reste avec toi”. Passei uma semana absolutamente louca com ela – era uma sabidona, conhecia Londres melhor que os ingleses, frequentava o “Troubadour”, um barzinho com música ao vivo que rapidamente me deu a conhecer (onde toda a gente fumava “erva” da boa, com pedradas monumentais) e, last but not the least, atinava à brava comigo. Nunca mais a vi e sempre me ficou associada ao “Angie”.
Cada vez que oiço a canção lembro-me dela. Ah, Lydie, Lydie, quem serás tu hoje e onde estarás ?
A canção está aqui.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Passarinho assassinado

Ao ler Saramago("As pequenas memórias"), hoje lembrei-me de uma história que aconteceu comigo há milhentos anos, que me ficou de emenda: O senhor meu Pai era caçador e chegou a apanhar caça grossa (não me refiro a senhoras, evidentemente, mas a caça mesmo...), um dia deixou-se tentar e comprou-me uma “Diana”, uma espingardita de pressão de ar, teria eu uns 13 ou 14 anos. Nesse Verão, em plenas férias, resolvi ir caçar, sem dizer a ninguém. Muni-me do chumbo necessário, de um cantil de água, de mais uma ou duas coisas, e ala que se faz tarde: fui-me emboscar ao pé de um regato onde os pássaros costumavam parar para se dessedentarem. Esperei, esperei, esperei. Lá apareceram uns quantos passarocos, mas a minha pontaria estava miserável. Cada tiro que atirava era uma revoada de pássaros a fugir e nenhuma “caça” ficava no chão. Até que consegui: fiz mira a um passarinho, firmei bem a alça da mira e trás, dei o tiro, acto contínuo o pássaro caiu morto à beira do regato com um tiro na cabecita. Exultei – estava quase a cair a noite e eu estava a ver que ia regressar de mãos a abanar. Depois, lá atei o pássaro à minha “cartucheira” e voltei para casa. Ao longo do caminho semi-montanhoso e depois já no povoado, o meu entusiasmo e alegria foram-se esboroando – não conseguia deixar de pensar no passarinho todo contente a debicar na água e na imagem seguinte – o pássaro morto, assassinado por um puto cujo único intuito era fazer tiro ao alvo; o desprazer da consciência de ter roubado uma vida à natureza foi-se apoderando de mim. Quando cheguei a casa ia triste como a noite, muitíssimo deprimido. Não disse nada ao meu Pai, corri a levar o cadáver do pássaro para sítio onde pudesse ficar em paz sem chamar atenções. Depois, acho que chorei um bocado. Sentia-me um assassino gratuito, estúpido, paranóico, uma besta que apenas por desporto tinha liquidado uma vida. Ficou-me de emenda. Não creio que tenha voltado a disparar a “Diana”. A imolação desnecessária daquele passaroco acabou por ser um marco importante para a formação do meu carácter, designadamente o meu respeito pela vida humana, animal ou vegetal.

Canção para uma Amiga triste

Tira a mão do queixo, não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou, ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem à batota
Chega aonde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Todos nós pagamos por tudo o que usamos
O sistema é antigo e não poupa ninguém, não
Somos todos escravos do que precisamos
Reduz as necessidades se queres passar bem
Que a dependência é uma besta
Que dá cabo do desejo
E a liberdade é uma maluca
Que sabe quanto vale um beijo

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Enquanto houver estrada para andar

Esta mania...

De mexer à maluca nos comandos do "blogger" dá nisto !
Ainda não sei como cheguei aqui, mas com jeito e galhardia, lá iremos.
Não sei se esta será a configuração final, vamos lá ver...

Novo visual

O anterior já me estava a fartar.
A este novo visual ainda me estou a habituar.
Enjoy the visit.

Lobo Antunes – o rei vai nu, ó escândalo !

Ontem pus-me a ler um dos últimos livros de Lobo Antunes – “Ontem não te vi em Babilónia”.
Li, reli e tresli logo nas primeiras páginas.
Voltei a reler e a tresler.
Até chegar à conclusão inexorável, esmagadora, acabrunhante: isto é uma boa merda !
Estou espantado com a minha ousadia, mas não posso negar a minha impressão, apesar de ir contra toda a “comunis opinio”: na minha opinião de leitor impenitente e de devorador de livros, a “Babilónia” está mal escrita, faltam-lhe termos essenciais para a compreensão das frases, não tem pontuação (mas isso já foi feito por Saramago, com bastante mais sucesso), sucedem-se frases ininteligíveis umas atrás das outras.
Bom Deus, que devo eu fazer ?
A escrita deste livro de Lobo Antunes é tão arrevesada que me consegue reconciliar com Saramago, de quem estou a ler com gosto e proveito “As pequenas memórias”.
Isto é um escândalo e eu sou um atrevido, mas não consigo tirar da ideia de que Lobo Antunes resolveu escrever uma trampa qualquer só para gozar com o pagode e rebolar-se de íntima galhofa ao ver uma coisa daquelas, escrita na gozação, a ser incensada pelos críticos e pelo público pedante que não percebe pevas mas finge que percebe.
Confesso que tenho uma alma simples e pouco letrada – assumindo-me como o básico dos básicos, solto aqui o grito de alma que o livro me provoca: porra, o rei vai nu, ninguém percebeu ?

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Publicozinho

Dantes comprava o Público quase todos os dias.
Depois a qualidade começou a decair, a decair.
A certa altura cheguei à conclusão de que comprar o Público era um exercício de masoquismo – tudo aquilo desagradava e o pouco de útil que lá vinha também vinha em todos os outros jornais, mais baratos e menos atreitos a “jornalismos de causas”.
Há muito tempo que deixei de o comprar, portanto.
Oiço agora algumas vozes difusas queixando-se de que o Público mudou, aumentou as fotografias e tornou-as mais vistosas ao mesmo tempo que vão diminuindo os conteúdos.
Não é para admirar: um jornal que despede jornalistas seniores e contrata estagiários para os substituir afunda-se a pique na escala da qualidade.
Aquilo que em tempos foi um jornal de referência transformou-se numa boa trampa.

É preciso ser estúpido !

No Brasil o Carnaval calha sempre no pino do Verão.
Por isso é que naquelas festas imensas as mulheres e os homens têm à vontade para se “descascarem” e bailarem uns com os outros quase na figura em que vieram ao mundo.
As beldades brasileiras em trajes minúsculos tornaram-se um “ex-libris” do Carnaval brasileiro
Vai daí os portuguesinhos, que em Fevereiro estão sempre em pleno Inverno e por vezes com um frio de rachar, resolveram imitar os brasileiros e é vê-los, principalmente vê-las, boazudas e descascadas a dançarem no meio da malta e a raparem um frio desgraçado que só não dá em pneumonia por sorte

Chiça, que é preciso ser estúpido !

Procura-se e dão-se alvíssaras

Menina/Senhora que dá pelo nome de Cleópatra, capitosa personagem que volta e meia sai do meio dos crocodilos do Nilo e vem alumiar a vida dos “fellahs” que estão nas margens. Foi vista fugazmente neste blog há uns tempos, prometeu que voltava mas desapareceu, tragada pelo negrume da noite. É uma menina muito vistosa, como a fotografia ao lado evidencia, um bocadinho crédula porque responde a qualquer estranho que se lhe dirija, mesmo mal intencionado, e tem a fraqueza de gostar de poesia. Comete frequentemente o pecado capital de ouvir com agrado um pimba dos States chamado Sinatra. Põe-se a hipótese de ter sucumbido por baixo de uma montanha de processos que lhe terá caído em cima, deixando-a sem capacidade de reacção. Oferecem-se alvíssaras a quem a localizar.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Cair na real... depois do Carnaval

A rapaziada xuxalista conseguiu durante uns tempos levar o debate político nacional para temas mais ou menos inócuos politicamente, como foi o caso do aborto.
Agora é o Carnaval e a populaça, sempre pronta a bailar, mesmo com os bolsos a tinir, baila.
Quando acabar o Carnaval, vamos lá ver se eles inventam qualquer coisinha substancial para fazer esquecer:
- Os bilhões que se preparam alegremente para gastar no aeroporto da Ota, hipotecando o futuro, sem nunca ter sido provado com um mínimo de razoabilidade que é na Ota que o aeroporto deve ficar e sobretudo sem se ter provado sequer que ele é necessário.
- Os impostos altíssimos que impendem sobre os cidadãos e o consumo, contrastando com uma benevolência fiscal espantosa para com médias e grandes empresas.
- A saúde, que está de rastos, abrindo buracos por todo o lado.
- A educação, em que coisas triclínicas como a TLEBS aparecem e desaparecem ao ritmo das sondagens.
- A corrupção, de que muito falam, mas que pouco ou nada fazem nem deixam fazer (vide veto a alguns projectos de Cravinho).
- A falta de transparência dos financiamentos partidários e as relações perigosas com autarquias, construção civil e futebol.
- A justiça, que está uma treta parada em montes de sítios.
- A baixa produtividade laboral.
- A enorme falta de formação profissional, embora a Europa tenha mandado para cá milhões visando financiar a formação.
- Os luxos da classe política em contraste com o aperto do cinto do Zé.
- E mais dois ou três “detalhes” neste género.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Estrela do Mar


A propósito de um comentário anterior, não resisto a colocar aqui a Estrela do Mar do Jorge Palma.
Para ouvir com deleite.

É um amigo muito querido.
Um dia prometeu-me que ia fazer uma canção sobre a minha pessoa, mas o patifório nunca cumpriu tal promessa.

S. Valentim

Se há coisa que me chateia são as comemorações obrigatórias de datas pré-determinadas por entidades misteriosas a quem nunca passei procuração.
Essa do Dia dos Namorados cheira-me a esturro.
Mesmo as datas clássicas, tipo Natal, Páscoa, etc., me custam a engolir, mas uma vez que são tradições há muito instituídas, não levanto cabelo.
Agora S. Valentins, ThanksGivings e quejandos, dão-me vontade de dizer uma asneira.

Eurico, o presbítero

Acabo de o reler.
Maravilhei-me com as pequenas nuances que Herculano dá à sua prosa, gerindo-a com cuidado, maestria e sabedura.
Ele próprio no posfácio diz que não sabe classificar o livrinho, que não é seguramente um romance histórico.
O meu problema é que ele se enquadra perfeitamente na minha acepção de romance histórico: uma história romanceada referida a um tempo histórico bem determinado (o tempo em que a península estava a ser invadida pelos muçulmanos comandados por Tariq, estando o império visigótico a cair aos pedaços), tempo histórico esse que é determinante para o desenvolvimento da trama romanesca.
(A propósito, descobri uma livraria aqui próxima de casa que faz saldos de livros frequentemente, volto e meia vou lá e faço um “raid” – o Eurico custou-me 1 euro, imaginem !)

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Adivinha

Num determinado condomínio a vizinha do 1º andar chama-se Ana, o senhor que mora no 2º andar chama-se Bento, o casal do 3º andar tem por apelido Costa, a menina do 4º andar chama-se Diana, o senhor do 5º andar chama-se Emanuel e assim sucessivamente, cada andar tem um ocupante com o nome correspondente a uma letra do alfabeto, por ordem crescente.
E a pergunta é: como se chama o elevador ?

Não li... e não gostei !

Foi assim que Manuel António Pina se referiu ao livro que Manuel Maria Carrilho escreveu e que apresentou há uns meses.
Pois eu, apesar de ter lido “A Profecia Romanov” de Steve Berry, estou com MAPina na apreciação final: não gostei.
Parece um livro escrito por Dan Brown antes de ter escrito “O Código Da Vinci”, uma versão preparatória e apagada deste último.
Tem uma trama policial com episódios algo forçados e pouco verosímeis, passando-se a acção na Rússia pós-soviética e nos Estados Unidos, com amplas descrições das organizações criminais russas.
Muito antes de me interessar pelo romance histórico, já eu lia os policiais da colecção “Vampiro”: a trama policial de Steve Berry não tem o encanto da de um Raymond Chandler, de um Ellery Queen, de um Erle Stanley Gardner.
Pareceu-me que tinha muito músculo e pouco cérebro.
Não recomendo, portanto
.


 

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Desafio ao leitor

Caros leitores (em especial Nieves de Ayer) tenho um desafio para vós: digam-me qual o nome desta melodia que estão a ouvir (se não estão, levantem o volume do sistema de som).
É uma melodia lindíssima que re-descobri há pouco tempo num local improvável – faz parte das minhas memórias de miúdo curioso, sempre a bisbilhotar aquilo que os mais velhos diziam... e ouviam.
Eu dou uma ajuda: é uma canção tocada a duas violas e está relacionada com a Guerra Civil de Espanha... costumava ser ouvida/tocada quando aparecia uma viola num grupo de anti-fascistas, back in the sixties.
O desafio vai em especial para a Nieves porque estamos a falar de coisas de Espanha.
Mas é feito em geral a todos os leitores.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

A Catedral do Mar

Século XIV.
A cidade de Barcelona vive a sua época de maior prosperidade; cresceu em direcção a Ribera, o bairro dos pescadores, cujos habitantes decidem construir, com o dinheiro de uns e o esforço de outros, o maior templo mariano jamais visto: Santa María de la Mar.
Paralelamente a esta construção desenrolam-se as atribulações de Arnau, um servo da gleba que foge dos abusos do senhor feudal e se refugia em Barcelona, como homem livre.
O jovem Arnau trabalha como palafreneiro, estivador, soldado e cambista. Uma vida extenuante, sempre amparada na Catedral do Mar, que o transporta da miséria á riqueza. A posição privilegiada que alcança desencadeia a inveja dos seus pares, que urdem uma sórdida conjura que o coloca nas mãos da Inquisição.
A Catedral do Mar é uma trama em que se entrecruzam lealdade e traição, amor e vingança, guerra e peste, num mundo marcado pela intolerância religiosa e pela ambição. Tudo isto faz desta obra não só um romance absorvente, mas também a mais fascinante e ambiciosa recriação das luzes e sombras da época feudal (vd. contra-capa da edição portuguesa).
Ildefonso Falcones de Sierra é casado e pai de 4 filhos; nasceu em Barcelona em 1959, onde vive e onde exerce advocacia.
Para além de uma visão histórica que parece bastante rigorosa para quem, como eu, pouco perceba da História da Catalunha, Falcones retrata as relações humanas com um grande humanismo.
Bernat é um camponês inteligente que se emancipou e foi viver para a cidade, e o seu filho Arnau, de 8 anos.
Arnau brinca em Barcelona e faz um amiguinho, Joanet, um puto com menos 2 anos que ele.
O pequeno Joanet é filho de uma mulher adúltera, o seu pai biológico foi assassinado e o marido de sua mãe recusa-se a reconhecê-lo como filho (sua mãe está a ser lentamente assassinada pelo marido e e em breve estará morta).
Depois de algumas peripécias, Joanet, que inveja Arnau por ele ter um pai, chega à presença do pai do amigo, no meio de uma multidão; alguém diz que ele e Arnau são ambos filhos de Bernat e o puto olha, suplicante, para Bernat, com medo de ser rejeitado.
Bernat, um homem bom, olha-o nos olhos e pergunta-lhe: “queres ser meu filho ?"
E o miúdo, sem palavras, agarra-se à perna de Bernat e fica ali agarradinho sem dizer palavra, colando-se àquela perna com a força e o amor com que agarrava o mundo todo.
Nesse dia Bernat compreendeu e aceitou que tinha dois filhos.
A forma como Bernat aceita Joanet como seu segundo filho, com poucas palavras e muito sentimento, deixa qualquer um comovido.
A felicidade do trio dura pouco tempo; devido a guerras insensatas e a costumes bárbaros, os cidadãos de Barcelona são sujeitos a uma vaga de fome tremenda: há uma sublevação e Bernat, que era até então um tipo pacífico, “passa-se” de fúria com as arbitrariedades da nobreza e salta para a liderança do movimento; Barcelona fica a ferro e fogo durante algum tempo, até que os soldados do rei castelhano entram na cidade; Bernat, tal como os outros líderes, é enforcado sumariamente.
Arnau e Joanet só sabem do destino de Bernat já depois de ele estar morto.
Os dois irmãozitos caem angustiados e loucos de dor nos braços um do outro, mas a coragem não os larga: Arnau, um ano mais velho que Joanet, promete-lhe que o protegerá e que ambos se tornarão homens bons. E cumprirá a sua promessa.
Arnau consegue ser aceite como “bastaixo”, estivador, e ingressa na corporação dos estivadores ainda com 14 anos, habituando-se rapidamente a carregar pesos enormes às costas.
Uma das características destes estivadores era o seu orgulho na profissão e na sua cidade – deles parte a iniciativa de, nas horas vagas, carregaram enormes pedregulhos desde a pedreira até ao centro de Barcelona, onde está a ser construída a sua Igreja, uma Catedral imensa onde se sentem como em sua casa; a Catedral demorou 54 anos a ser construída.
Joanet é apoiado pelo padre da igreja do Mar e segue a carreira eclesiástica – irá longe, tornando-se um padre conhecido e considerado; tornar-se-á num importante membro da Inquisição e chegará a sua vez de mandar muita gente para a fogueira (não esqueçamos que Barcelona está quase no extremo da península, bastante próxima das zonas do Sul de França onde a chamada “heresia cátara” dá origem a um verdadeiro banho de sangue – muitos fogem para a Hispânia, onde mais tarde, em virtude da ascensão da Inquisição, começam a ser vistos com muita suspeita).
Ildefonso Falcones retrata com muito rigor histórico o ambiente tenso dos tempos das guerras religiosas e a forma como a nobreza e o clero tiraram partido dessas guerras para enriquecerem... sem trabalhar, naturalmente.
Descreve a Catalunha medieval e pré-renascentista com grande desenvolvimento – vê-se que consultou muitos arquivos e que estudou bastante antes de escrever.
A sua narrativa é de tal forma cativante que finalmente vou fazer a viagem a Barcelona que há muitos anos estava em projecto sem nunca se concretizar.