terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Angie

Estávamos em 1972. Eu estava na casa dos 20 anos, era universitário, usava o cabelo comprido, não fazia a barba e tinha fascínio pelos hippies. Um amigo desafiou-me a ir a Londres passar uma semana, disse-me que tinha uma casa “duns amigos” onde podia ficar, malta porreira. Lá fui.
Cheguei sozinho ao aeroporto de Gatwick, tomei o comboio para Victoria Station e dali o Metro para a Brompton Road; a casa onde eu ficaria situava-se nas proximidades. Quando lá cheguei, ultra cansado, fui bem recebido pela malta – todos eles (e elas) se pareciam vagamente comigo, éramos todos hippies – e pedi para tomar um banho. Levaram-me à cozinha !
Na dita cozinha havia uma espécie de uma arca, que se abria e quando a abriram verifiquei que dentro dela existia uma... banheira.
Subitamente, pela casa toda ressoa alto e bom som o “Angie” dos Stones, acabadinha de ser lançada.
Tomei um duche – fiquei longo tempo a sentir a água quente a inundar-me o corpo suado, a suavizar a secura dos poros; larguei um porradão de champô em cima da farta cabeleira e estive entretido a tirar o dito durante bastante tempo, de olhos fechados. Quando abri os olhos, uma loira com os seus 20 anos barrava calmamente um pão com manteiga e olhava-me apreciativa e ostensivamente, sorrindo abertamente quando baixava o olhar e focava as minhas “partes”. “Porra, que raio de filme é este ?” – foi o meu pensamento imediato (soube mais tarde que as regras da casa implicavam que nunca se podia fechar a porta da cozinha, pois as pessoas comiam a qualquer hora – quem queria tomar banho tomava à vontade, mas se tivesse que ser diante de toda a gente, estranhos incluídos, lá teria mesmo que ser). A loira sorriu mais uma vez, disse-me “Pas mal” e foi-se embora. Fiquei siderado, ainda um bocado zonzo por ter estado nuzinho em pêlo diante de uma beldade loura que – em Londres ! – se me dirigia em francês... Tive sorte: caí nas boas graças da diva – chamava-se Lydie e era uma trotskista francesa do Norte, vivia em Lille e volta e meia dava uma saltada a Londres para arejar ideias.
Claro que logo nessa noite dormi com ela (il faut faire la revolution, quand même) – aliás ela não me deu qualquer hipótese de fuga, pois quando a hora da deita se aproximou, olhou-me e declarou “je reste avec toi”. Passei uma semana absolutamente louca com ela – era uma sabidona, conhecia Londres melhor que os ingleses, frequentava o “Troubadour”, um barzinho com música ao vivo que rapidamente me deu a conhecer (onde toda a gente fumava “erva” da boa, com pedradas monumentais) e, last but not the least, atinava à brava comigo. Nunca mais a vi e sempre me ficou associada ao “Angie”.
Cada vez que oiço a canção lembro-me dela. Ah, Lydie, Lydie, quem serás tu hoje e onde estarás ?
A canção está aqui.

4 comentários:

  1. Ao respeitável público: se acharem que o tom do blog está a ficar "too personal", digam, por favor - é chatíssimo contar estas coisas a quem fica embaraçado por as ouvir.

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  2. Boa tarde!
    Eu também queria o nome do novo blog. Gosto das histórias, embora sejam um bocadinho eróticas. Era uma brincadeira o que disse acima. Pode continuar assim.

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  3. ler todo o blog, muito bom

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