sábado, 29 de maio de 2010

Isto resolve a questão - leis retroactivas

Da ilegitimidade dos impostos retroactivos.

Está na Constituição da República portuguesa e reza assim:
Artigo 103.º
(Sistema fiscal)
1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

Um curto esclarecimento para os meus leitores que não são juristas.
Uma lei retroactiva é aquela que visa reger relações jurídicas existentes antes de ela entrar em vigor.
As leis em geral regem só para o futuro, mas há situações extremas em que é necessário que uma lei regule relações jurídicas constituídas antes de essa lei aparecer.
Considera-se que a não retroactividade das leis é uma garantia dos cidadãos num Estado de Direito – citando um clássico, diria que no pensamento constitucional contemporâneo enraizou-se a ideia de que um Estado de Direito é sempre também um Estado de segurança jurídica, como defende o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que já sufragou a ideia de que a segurança jurídica constitui um dos elementos nucleares do princípio do Estado de Direito, ficando os particulares protegidos contra leis retroactivas que afectem direitos adquiridos, de modo a evitar que seja frustrada a sua confiança na ordem jurídica.
Se vivemos num Estado de Direito, então qualquer lei retroactiva terá de ter uma explicação muitíssimo evidente, por forma a congregar à sua volta a opinião favorável de uma significativa maioria de cidadãos.
Segundo percebi, o governo pretende que uma lei fiscal que agravou o regime fiscal dos cidadãos em geral, aprovada em Maio/2010, produza efeitos retroactivos a Janeiro/2010.
Há estudos de opinião que revelam com clareza que há uma maioria de cidadãos que discordam dessa retroactividade.
Por isso, e tendo em conta o artº 103º, bº 3, da CRP, tal lei é ilegítima porque é claramente inconstitucional.
Mas isso não significa que não possam ser aprovadas leis claras não-retroactivas, que agravem o regime fiscal por forma a obter para o erário público a quantia necessária no final do ano, civil ou fiscal.
Para isso é preciso saber legislar, ter um competentíssimo apoio jurídico e ter acesso a equipas de gente muito experiente que é capaz de desenhar uma lei eficaz, bem feita, constitucional.
Implica muita reflexão à luz de um razoável saber, tudo bem misturado com bom senso e boa fé.
Infelizmente o actual legislador não dispõe de gente com esta qualidade.
Com os resultados conhecidos.

Adenda: sejamos honestos, mesmo relativamente àqueles que fazem da desonestidade uma prática regular.
Ouvi hoje/ontem, 1-6-2010, na TV, que parece que os aumentos de impostos são apenas referentes aos meses seguintes à aprovação da lei; se for assim, a lei não é inconstitucional.
É “apenas” um violento golpe nas finanças de quem menos tem e uma benesse descabida para aqueles que nadam em conforto económico.
Estes homens do governo são uns "socialistas" singulares: socializam a pobreza e deixam os ricos em paz, com o argumento extraordinário de que não convém chateá-los.
Adenda 2 - afinal parece que o aumento de impostos é mesmo retroactivo nalguns casos, como a taxação das mais valias que segundo o Ministro das Finanças abrange todo o ano de 2010; bolas, que estes maraus não param de se desdizer e de jurar a pés juntos que é verdade aquilo que ontem juravam que é mentira; os tipos andam loucos ou sou eu que estou a ficar apanhado do clima ?

3 comentários:

  1. Tem dias que sou, outros que nem por isso, Blimunda.

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  2. 100anos, concordo inteiramente consigo. Mas sabemos que não há nada mais eficiente (ilegal, traiçoeiro, covarde, pernicioso, etc.) do que tributar situações passadas. É que tributar situações futuras é um pouco "contar com o ovo no cu da galinha". Agora se o ovo já cá está fora... Lembra-se do impostos sobre os lucros das empresas petrolíferas? se fossem tributados pela lei nova os rendimentos que elas auferiram no ano anterior ao da criação da lei, apanhavam-nas a todas. Como a lei só valeu - como legalmente devia valer, e para todos - apenas para o futuro, os resultados da criação do imposto estão à vista.

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