sexta-feira, 2 de março de 2007

Contos Estelares - VI

Cleópatra sentou-se no sarcófago criogénico, que estava de tampa aberta, e o seu olhar dirigiu-se logo para o calendário, apercebendo-se de que tinha estado em hibernação muito pouco tempo.
A seu lado João, Marta e Augusta dormiam o sono dos justos.

Sabia que nas respectivas naves Funes e Cem dormiam também.
Sabia também que provavelmente teria sido Neves a acordá-la, a não ser que algum acidente tivesse accionado o despertar automático.
Pouco depois Neves juntou-se-lhe em videoconferência, ambas já nas respectivas salas de comando das suas naves.

Neves explicou a Cleópatra o que tinha acontecido e a razão porque a tinha acordado.

Explicou que tinha configurado várias hipóteses para a solução do problema que enfrentavam:

1. Usar a nave em que estavam, Poseidon, que tinha propulsão Erkhart e que podia em poucos anos fazer a viagem a Andrómeda e voltar (a propulsão Erkhart permitia viagens a 20 vezes a velocidade da luz; em cerca de 10 anos-padrão a Poseidon conseguiria deslocar-se 200 anos-luz, ou seja, podia fazer uma viagem de ida e volta a Andrómeda).

2. Deixar a expedição prosseguir apenas à velocidade da luz, tentando descobrir um sistema habitável antes de Andrómeda.

3. Obrigar os computadores a fazerem um “brainstorming” por forma a apurar quais os sistemas estelares próximos mais prometedores em termos de habitabilidade (opção perigosa pois era frequente nestas tentativas um ou dois computadores não aguentarem a carga de terabytes envolvida e rebentarem os discos e as memórias centrais.

4. Combinar as partes compatíveis das hipóteses 1, 2 e 3.

Neves deixou bem claro que a sua preferência tendia para a hipótese 3 – computer brainstorming.

Cleópatra disse-lhe que precisaria de pelo menos 24 horas de estudo e reflexão para se sentir com o à vontade de formular uma opinião.

Meteu-se na sua cabine manejando o computador portátil, fazendo cálculos e mais cálculos, tudo a funcionar sobre o sistema operativo Windows.

Passado umas horas voltou à sala de comando e requisitou um novo portátil equipado com outro sistema operativo, o Linux; depois de o receber, trabalhou mais umas horas, dizendo volta e meia uma imprecação em surdina.

Finalmente, cansadíssima e insone, voltou a ligar a videoconferência, contactando Neves.

“Minha amiga, estamos com um problema”, disse, “creio que a tua proposta é inadequada, segundo os meus cálculos a hipótese 1 é a mais prometedora, oferecendo 80% de margem de sucesso, enquanto nenhuma das outras ultrapassa os 60% de probabilidades”.

“Temos de acordar o terceiro elemento”, constatou Neves, “mas quem ?”

“Simples”, respondeu Cleópatra, “isto é um problema sério, tem que ser resolvido pelos mais capazes e os mais capazes somos nós, as mulheres, como concordarás – a nossa melhor mulher adormecida, pela sua sagacidade e pela sua experiência é Augusta Nina”.

“Seja”, anuiu Neves, “mas por favor, depressa, porque estamos a chegar a um eixo axial importante da viagem e a eventual mudança de eixo tem que ser decidida a curto prazo”.

Accionaram o despertar de Augusta.

Passado uma hora já Augusta estava desperta e inteirada do problema que enfrentavam.

“Cabe-me então a mim desempatar”, constatou Nina, olhando preocupada para o visor de videoconferência – “oiçam lá, e se eu tiver uma quinta opinião não coincidente com nenhuma das vossas ?”.

“É que tenho mesmo, caras amigas, a minha opinião é a de que perante todo este imbróglio a nossa melhor hipótese de sucesso é a ligação física das quatro naves e a construção de uma estação espacial que apontaremos ao sistema solar mais próximo, mas qual ?”

“Bom, como sabemos da mitologia, a figura formada pelas estrelas próximas à constelação de Cepheus lembra a duma figura humana sentada num trono – só que de cabeça para baixo. Para os gregos, isso representava a punição por um crime severo e logo associaram essa constelação ao mito de Cassiopéia: a vaidosa rainha da Æthiopia que comparou sua beleza à das Nereidas, filhas de Poseidon. Como punição, os deuses exigiram que sua filha, Andrômeda, fosse sacrificada ao monstro Cetus (uma besta similar a uma baleia) para que seu país não fosse inundado pelas ondas de Poseidon”.

“De cabeça para baixo estou eu a ficar, Nina”, disse Neves, “não estou a compreender onde queres chegar”.

“Bom, eu cá já nem sei se tenho cabeça”, suspirou Cleópatra, “que havemos de fazer ?”

Concordaram em consultar o Manual de Bordo, indagando qual o procedimento no caso de as três terem opiniões divergentes, introduziram os dados no computador central da nave de Nina (o mais poderoso de todos), o qual pouco depois despejou a resposta: "o sistema determina que três mulheres discordantes são demasiado teimosas nas suas opiniões, levando a um perigoso desequilíbrio de segurança, a solução indicada é elegerem um homem dos adormecidos qualificados e nomearem-no vosso chefe máximo - só um homem poderá lidar com 3 mulheres ao mesmo tempo sem se envolver em discussões inultrapassáveis".

"A máquina enlouqueceu", exclamaram as três, incrédulas.
(continua)

1 comentário:

  1. Concordo com Nina. Isto pode ser o começo duma rebelião feminina contra esse belo adormecido quando despertar.

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